RENASCENDO NA ÍNDIA
O despertar de uma nova consciência
Capítulo 1
O homem faz seus planos e Deus dá risada
Meu plano inicial era chegar em Nova Delhi ao norte da India e, então, seguir em direção ao sul viajando por toda Índia
Mas a dona Existência tinha outros planos para mim… bem outros!
Logo que cheguei em Nova Delhi tive uma diarréia muito forte e acabei indo parar na UTI de um hospital indiano com o diagnóstico de desidratação aguda e profunda.
Deitado na cama do hospital ouvia o médico nepalês, todo de preto e falando um inglês quase que incompreensível, dizia que meu estado era crítico e que poderia ter morrido!
Não morri. E comecei a questionar Deus… Dizem que tudo que acontece em nossas vidas tem seu lado bom.
Conversava com Deus… Por favor, por tudo quanto é sagrado, me diz, me fala onde está o lado bom de eu estar internado na UTI de um hospital da Índia, desidratado, sozinho, sem ninguém para conversar, sem ninguém para pedir ajuda.
Deus permaneceu quieto. A resposta não veio.
Assim, no dia seguinte sai da UTI e fui transferido para um quarto compartilhado. Meu vizinho de cama tinha dengue hemorrágica e, segundo a enfermeira, estava a beira da morte.
Daí o cabeção pirô… Fui trazido para cá, para esse hospital que não tenho a mínima ideia onde fica com uma simples e corriqueira diarréia conhecida da maioria dos mochileiros que viajam pela Índia e agora estou em um quarto com um indiano prestes a desencarnar
Questionei Deus novamente. A resposta não veio.
Decidi, então, que ao sair do hospital iria comprar uma passagem de volta para o Brasil e voltar para casa.
Lembro que falei com minha mãe pelo Skype mas não contei nada para ela pois sabia que só iria deixá-la preocupada e que não poderia fazer nada para me ajudar naquele momento.
Despedi de minha querida mãe e desabei em prantos…
Capítulo 2
Seguindo a voz do coração
No quarto dia internado naquele hospital, já com os braços todos picados pelas agulhas dos medicamentos, percebi que as garrafinhas com líquido branco (antibiótico) tinham desaparecido, não estavam mais lá penduradas, restando somente as garrafinhas com líquidos coloridos.
Quando a enfermeira se aproximou comentei com ela sobre as garrafinhas contendo líquido branco e ela ingenuamente me informou que eu já não estava mais tomando antibióticos e que as garrafinhas com líquidos coloridos era vitamina
Eu não preciso de vitamina, gritei internamente
Foi assim que tomei a difícil decisão de deixar o hospital escutando a minha intuição mas claro, com a mente racional berrando sem parar as consequências que essa decisão acarretaria.
Informei a enfermeira minha decisão e ela me disse que iria comunicar ao médico responsável. Nesse momento percebi o seu arrependimento de ter me contado a verdade.
E agora quando escrevo esse texto me passou pela cabeça que talvez ela também fosse um anjo. A existência se comunicando comigo na sua maneira.
Não tardou muito o jovem médico de plantão veio conversar comigo e logo em seguida, me vi cercado por uma comissão médica incluindo o diretor do hospital.
Ele, de modo autoritário, me falou que eu não estava apto a ter alta, que ainda não estava completamente recuperado… bla bla blá… bla bla blá… bla bla blá… e que se realmente eu decidisse sair teria que assinar um termo assumindo todas as consequências.
Uau!! Sabia que eles tinham interesse em me manter internado por mais tempo para receber o dinheiro do seguro. A Índia é um dos países mais corruptos do mundo.
Senti que tinha que sair daquele hospital, daquele ambiente, naquele momento.
A mente hesitava. Respirei fundo e segui a voz de meu coração…
Capítulo 3
Um anjo chamado Matheus
Saí do hospital decidido a voltar para o Brasil. Aluguei um quarto em um pequeno hotel em Paharganj, bairro onde os mochileiros normalmente se hospedavam. Planejava ficar apenas alguns dias para providenciar os papéis necessários para receber o reembolso de meu seguro saúde.
Caminhando pelas ruas de Paharganj em busca de um supermercado, vi um cara vindo em minha direção com sacolas de compras. Perguntei onde ficava o supermercado e ele me explicou. Conversamos um pouco sobre as nossas viagens pela India e combinamos jantar junto mais tarde. Sintonia. Sincronicidade.
Era também a primeira vez que Matheus viajava pela India e estava viajando sozinho como eu. Decidimos, então, ir para Caxemira. Reservei a passagem pela internet num ônibus clandestino, que só fomos saber na hora do embarque em um mercado próximo ao Red Fort.
Como era novembro já não havia muitos turistas viajando pela Caxemira. Desse modo, éramos a todo momento abordados insistentemente pelos moradores locais oferecendo serviços de guia, hospedagem, restaurantes, etc
Foi assim que conhecemos Mohamed o qual nos levou para ficar na casa-barco de sua família no lago Dal em Srinagar. Como era final do ano já fazia bastante frio na Caxemira e banho no barco somente era possível quando Mohamed trazia lenha e acendia a fornalha.
Após duas semanas, o frio tornou-se insuportável para mim. Expliquei para Matheus que não estava acostumado com tanto frio e que estava pensando em ir embora.
Ele me contou que um amigo canadense havia lhe recomendado um ashram em Rishikesh, pequeno vilarejo conhecido mundialmente como a capital do yoga situado nas margens do Rio Ganges aos pés da cordilheira do Himalaia.
O ashram tinha sido construído recentemente, nos padrões ocidentais e pertencia a um swami hindú e sua companheira canadense.
Assim, zarpamos para Rishikesh…
Capítulo 4
É aqui que vou amarrar meu burro
O ashram Anand Prakash era limpo e organizado, bem diferente dos outros ashram em sua maioria indianos de Lakshman Jhula.
A comida era simples e muito gostosa. Almoçavamos sentados no chão em pequenas mesas de pés baixos. A diarréia do início de minha viagem tinha me causado um trauma por comida. Estava me alimentando basicamente de arroz puro e espaguete.
Naquele momento senti a presença da divindade e que aquele ashram tinha literalmente caído do céu!
Pensei comigo mesmo: É aqui que vou amarrar meu burro.
E assim foi… passei a viver a rotina de um asharam, despertando todos os dias às 4h da manhã para participar da meditação matinal. Em seguida tinha uma aula de yoga de cerca de hora e meia, café da manhã e o puja da manhã.
A tarde tinha mais aula de yoga e a noite rolava os kirtans. O tempo livre aproveitava para descansar, ler os livros de yoga, meditação e autoconhecimento da boblioteca do Prakash.
No ashram acabei conhecendo Casey, professora de yoga canadense. Ela vivia na cidade de Brampton próxima a Toronto e estava participando do curso avançado de formação de professores de yoga.
Terminado o curso resolvemos morar juntos e alugamos a casa do Sr Dinesh nos arredores de Lakshman Jhula. E, assim passei a morar em Rishikesh.
A vida fluia naturalmente, fazíamos nossa yoga todo santo dia no roof top, iamos também em outros ashram fazer aulas de yoga da mais diversas tradições. Rishikesh é conhecida por ser a capital mundial do Yoga. Conhecemos o Sachcha Dham Ashram e passamos a participar dos satsangs do Prem Baba diariamente.
Como Casey gostava de cozinhar fizemos um curso de culinária indiana e frequentemente convidavamos nossos amigos para almoçar ou jantar em nosso lar. Assim, fomos aos poucos conhecemos toda a vizinhança de Lakshman Jhula e fomos até convidados para participar de um casamento hindú!
Me sentia em casa vivendo em Rishikesh e já havia me esquecido do trauma da diarréia, da vontade de voltar para casa e da pergunta que fiz a Deus no início de minha viagem: Onde está o lado bom de tudo isso?
Capítulo 5
Caiu a ficha
A vida em Rishikesh fluia tranquilamente em plena sintonia com o fluir das águas do Ganges mas minha mente falava insistentemente: Você tá louco!! Planejou viajar por toda Índia e até agora não saiu de Rishikesh.
Ela me atormentava incansavelmente até que um belo dia resolvi ter uma conversa séria com minha mente e disse internamente: Querida, me desculpe mas você está perdendo seu tempo em ficar falando em minha cabeça sem parar. Eu já decidi que só vou sair daqui quando a voz de meu coração mandar.
E, assim, fomos vivendo dia após dia em Rishikesh em um sublime estado de presença. Um dia saindo de um restaurante encontramos Laura uma amiga suiça de Casey que tinha acabado de chegar de um retiro de 10 dias de meditação Vipassana.
Meus planos iniciais de viagem pela Índia tinha a intenção de fazer um curso de meditação em Dharamsala, cidade onde vive o Dalai Lama.
Agora Laura chegava dizendo que em Deradhun cerca de uma hora de Rishikesh havia esse mesmo retiro de meditação. E, para participar bastava se inscrever pela internet.
Fiz a inscrição no mesmo dia e logo na semana seguinte fui fazer o retiro de 10 dias no centro de meditação Vipassana Dhamma Salila em Deradhun. Casey não quis ir de jeito nenhum. Alegava que não conseguiria permanecer em nobre silêncio por tanto tempo.
Ao chegar no centro de meditação conheci Helena, uma senhora sul-africana que estava fazendo serviço voluntário nos centros de meditação Vipassana de todo o mundo e adivinha de onde ela estava vindo?
Do Brasil. Do centro de meditação Vipassana Dhamma Santi que fica em Miguel Pereira, perto de Vassouras, no Rio de Janeiro. Pensei comigo: tive que vir para o outro lado do mundo para saber que no quintal de minha casa tinha o mesmo curso de meditação. A existência e sua maneira de nos ensinar.
O curso é muito intenso. Despertava às 4h e meditava até às 21h, com pequenos intervalos para café da manhã, almoço e lanche a tarde. Cerca de 12 horas diárias de meditação.
Sofri muito mas sai com aquela sensação de que havia encontrado aquilo que tanto procurava.
Capítulo 6
Abençoada diarréia
Seguimos vivendo em Rishikesh aprendendo as mais diferentes práticas de yoga, participando de retiros em asharam, caminhando ao longo do Ganges, celebrando a vida nos kirtans do Krishna Das, Deva Premal e Snatam Kaur.
A vida fluia fácil em perfeita sintonia com tudo e todos. Percebi a importância que é o ambiente que vivemos para que possamos continuar vibrando nas frequências mais sutis.
Rishikesh conhecida como a capital mundial de yoga é um pequeno vilarejo situado nos pés do Himalaia, nas margens do rio Ganges conectadas por duas pontes pênsil – Ram Jhula e Lakshman Jhula.
Rishikesh respira, transpira, exala paz interior com seus incontáveis asharam, templos, ghats, mestres, swamis, sadhus, vacas, macacos e buscadores de tudo quanto é lugar.
Percebi que levar uma vida espiritual naquele ambiente era fácil e que o grande desafio seria sustentar a leveza do Ser quando saísse de lá.
A louca mente que só mente continuava com seu interminável blá blá blá mas agora com um novo tema: Como vou explicar para meus pais, irmãos, parentes e amigos tudo isso que vivi aqui.
Não conseguia descrever esse novo mundo em palavras. Esse vasto mundo interior que enxergamos quando invertemos o sentido dos vetores de nosso olhar.
Então, tomei a decisão de parar de pensar em como iria explicar essa minha experiência e deixar essa missão para a dona existência.
E, assim foi. Cheguei em casa, não expliquei nada para meus pais mas eles entenderam tudo.